O assombro do Zika vírus
Descrição da imagem para deficientes visuais: foto da mesa da palestra. Deborah Prates está em primeiro plano, sentada e falando ao microfone. Usa um cachecol vinho e uma blusa branca. Ao seu lado encontram-se a presidenta da mesa Marcia Dinis e as outras palestrantes todas usando vendas nos olhos.
Antes de iniciar a minha
palestra sobre o tema: A maternidade enquanto questão ética, distribuí vendas
aos participantes convidando-os a uma experiência imersiva. O que é isso?
O século XXI está conhecido
como o século da ludicidade. Certo é que não estamos tendo êxito em modificar o
comportamento da sociedade em relação às pessoas com deficiência, pelo que
continuamos a ser, aos olhos enrijecidos da coletividade, um quase alguém.
Nesse momento sinto que falta
o desenvolvimento da subjetividade, pelo que convido as pessoas, numa tentativa
imersiva e pueril, a fecharem as janelas para o mundo exterior e, usando
vendas, abrirem as janelas de seus interiores. É um modo de provocar o
autoconhecimento.
Com a tecnologia transformamo-nos
em tecnumanos. Substituímos o coração por HD. Os humanos hão que conhecer a si
próprios para, então, conhecer o outro como igual. Na hipótese, falo das
pessoas com deficiência. Fui feliz. Todos aceitaram a séria
"brincadeira"!
Assim, no dia 25 de julho de
2016 tive a honra de compor a importante mesa de debate que objetivou as
necessárias reflexões sobre a epidemia do Zika. O evento aconteceu na cidade do
RJ, no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Nossa, uma médica geneticista
deixou claro que a população não sabe, da missa a metade, sobre o assombro
desse vírus Zika.
Por desconhecimento e
calcados nas informações da mídia, a maioria da sociedade pensa que é apenas o
horror da microcefalia o mal causado pelo vírus Zika. Não. Os transtornos
causados no sistema nervoso vão muito, mas muito além das dores decorrentes da
menor circunferência da cabeça. Existem, também, as malformações dos membros,
dos olhos, dos ouvidos, dos órgãos em geral, etc. Sem dizer que, em algumas
situações, os sintomas da síndrome do Zika só aparecem após o nascimento.
Portanto,
é, verdadeiramente, um assombro a síndrome congênita do Zika! Agora, além de
ter que obrigar a mulher a ficar assombrada durante os longos nove meses da
gestação, ainda praticar a desumanidade de torturá-la por período indefinido
diante de situações assintomáticas é surreal.
Por que os gestores e
parlamentares tratam o caso com tamanho desdém? Como violação de uma verdade
impressionável? Novamente deixo a reflexão: a quem interessa educar o povo?
Enfatizei que urge
desmitificarmos a questão da maternidade relativamente a mulher com deficiência
para que fique cristalino que temos capacidade para discernir sobre o que, de
fato, queremos quando o assunto é maternidade.
No momento em que, por
ilustração, as mulheres cegas dão ciência à sociedade de que estão grávidas,
comumente ouvem: que irresponsabilidade! está louca? sem a visão vai matar a
criança afogada na banheira no primeiro banho! vai deixar o bebê cair no chão e
quebrar a cabeça! e se passar a roda do carrinho no pescoço do bebê? como vai
dar remédio? E as desumanidades vão por aí afora para todo tipo de mau gosto.
Os julgamentos acima
decorrem, obviamente, do preconceito e, é claro, da seguida discriminação,
calcados, exclusivamente, nas deficiências. Também por isso é que a
coletividade necessita rever o conceito acerca da pessoa com deficiência e
conhecer, para tanto, mais sobre nós. Daí saberá que somos capazes, iguais em
direitos e obrigações. Porém, o que nos é escancaradamente negado é o direito
constitucional às acessibilidades. Estas, sim, nos levarão as oportunidades
amplas e irrestritas. Vale repetir que os costumes não são inocentes, tampouco
é a lei a solução. Por esses detalhes é que afirmo ser a acessibilidade
atitudinal a saída.
Mulheres com deficiência têm
consciência dos seus sentimentos para optarem pela maternidade, tanto quanto
têm para escolherem pela interrupção da gravidez.
Falo exatamente do direito
fundamental à liberdade contemplado na nossa Carta da República. É o direito de
fazerem as próprias escolhas, assim como tem, em tese, esse direito as mulheres
sem deficiência.
No entanto, a negativa desse
direito à liberdade de disporem de seus corpos como quiserem é que as mulheres
brasileiras não têm o aborto sentimental legalizado genericamente. Os
parlamentares não aprovam leis nesse sentido com fundamento em suas normas
religiosas. Certo é que não se quer discutir dogmas religiosos nesse artigo.
Até porque todas as religiões hão que ser respeitadas por todos. Porém, não há
nada mais privado, particular do que a religião, pelo que totalmente oposto a
república.
O Brasil é um Estado laico,
significando que a saúde pública - caso do aborto - não pode ser regida por
questões religiosas, ainda que a bancada cristã brasileira seja gigantesca.
Nesse particular dou um
breque para dizer que a democracia nem sempre está configurada pela vontade da
maioria. Não! Na nossa Constituição Cidadã existem princípios que a norteiam.
Esses princípios vão muito além da vontade da maioria. Eis a importância de ser
estudada também a república para que o nosso povo pare de eleger parlamentares
antirrepublicanos e antidemocráticos. A democracia há que ser temperada com a
república!
Penso que a grande questão está
na aberração de termos um Congresso Nacional com ideia generalista e abstrata
sobre república. Os congressistas falam de forma rasa sobre democracia. No
entanto, nem se lembram que somos uma república! Seus integrantes Não têm noção sobre a etimologia do verbete
república, valendo dizer da res/coisa pública.
Talvez, por esse conhecimento
atrofiado é que misturam Estado com Religião.
As mulheres são construção
dos homens. Logo, nessa cultura monstruosa foram construídas para, dentre
outras funções, a aceitarem, a todo custo, a imposição de serem mães,
independentemente do querer maternar. Somos vistas como uma coisa; um
recipiente, saco de gestar crianças. Mas, e o sentimento/querer das mulheres
onde fica? Bem, inacreditavelmente, ainda em 2016 pouco importa! E vamos
tocando a cruel e injusta cultura do patriarcado que nos assola desde sempre.
Enquanto pessoa cega, não
relaciono a proposta da legalização do aborto, tendo como parâmetro a síndrome
congênita do Zika, com um possível retrocesso na vida das pessoas com
deficiência.
Entendo que são duas
situações distintas. A primeira diz respeito a liberdade que tem a mulher ao
direito ao seu próprio corpo. A segunda tem o foco no habitual descumprimento
às leis que amparam os direitos das pessoas com deficiência. Estas somente
serão obedecidas quando houver a educação da coletividade, valendo dizer com a
real implementação da acessibilidade atitudinal, o que possibilitará o
ressignificado da pessoa com deficiência como ser capaz e igual. Precisamos
chegar ao encontro da alteridade!
Vale, finalmente, lembrar que
as deficiências têm a idade da humanidade. Por conseguinte, se queremos ter os
nossos direitos respeitados precisamos, igualmente, prezar o direito de todas
as mulheres a, também, terem considerados os respectivos direitos a liberdade no sentido lato.
Então, conhecimento, prática,
ação e reflexão deveriam ser os nossos apetrechos para melhorar as nossas
convivências uns com os outros, na consciência de que o melhor para um - em sua
singularidade - não significa que seja o melhor para o coletivo.
Texto Lucido conciso impecável ------ FANTÁTICA Dra. Débora!!! abçs do seu amigo cadeirante baterista bi-amputado Tulio - www.tuliofuzato.com.br
ResponderExcluirMuito obrigada, querido amigo Tulio!
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