quinta-feira, 30 de abril de 2015

O desenforcamento de Tiradentes

 O Desenforcamento de Tiradentes





Descrição da imagem para DV's: pintura de perfil de Tiradentes, com nariz longo e ligeiramente adunco, cabelos até o ombro preto e liso, barba grande da mesma cor e uma corda frouxa no pescoço.



                 No feriado de 21 de abril de 2015 compareci a um evento que me mostrou o quão estagnado está o desenvolvimento civilizatório relativamente as pessoas com deficiência. Adianto que continuamos invisíveis aos olhos da sociedade. Pior ainda foi comprovar que os integrantes do Poder Judiciário carioca nos têm como SUB-HUMANOS!


                 O lema do encontro foi: "Justiça ainda que tardia". A sentença de Tiradentes foi simbolicamente revista no salão histórico do Primeiro Tribunal do Júri do RJ. Foi o máximo!


                 Joaquim José da Silva Xavier foi interpretado pelo ator Milton Gonçalves. O papel de juiz foi do desembargador Claudio dell'Orto, e o criminalista Técio Lins e Silva atuou como advogado do réu. Dr. Técio adotou como linha de defesa que Tiradentes só confessou a sua participação no movimento sob tortura. O promotor foi o criminalista Jorge Vacite Filho.


                 Imaginei que fosse encontrar um salão com lugares, valendo dizer confortável. Ledo e maravilhoso engano! Nossa, na porta do Tribunal estavam aglomeradas umas 500 pessoas ávidas por um lugar no julgamento.


                 As 180 senhas foram todas distribuídas e a confusão instaurada pelos humanos que ficaram do lado de fora do inusitado evento.


                 Fiquei impressionada como os cariocas tinham sede de cultura! O horário do acontecimento chegara e os portões foram fechados. Muitos gritaram pelo ouvidor, outros diziam-se parentes de Tiradentes e tantos mais protestavam para falar com o advogado do réu como maneira de contornar a exclusão. Brincadeira salutar! Certo ficou que os organizadores foram pegos de surpresa com a aceitação da ideia.


                 Somente conseguimos acomodação na sala ao lado do salão principal, onde havia um telão, e ficamos bem felizes!


                 Como militante que sou procurei saber se no seleto rol dos atores havia pessoa com deficiência. Afinal, representamos 1/4 da população brasileira, de acordo com o censo do IBGE de 2010.


                 Então, soube que no corpo de jurados - representação da sociedade - encontravam-se: negros, mulheres, representante da ONU, presidente, desembargador, indígena e pessoa de comunidade. Claro que não esperava ter deficientes nos papéis principais, pelo que não os procurei! Nossa, como fiquei triste com essa conclusão. Estamos tão sofridos com o olhar assistencialista que nos é dispensado pela cruel coletividade... recobrei os sentidos. Não podemos aceitar isso em 2015! Porque não aceito essa injustiça é que escrevo esta crônica.


                 Entre um e outro suspiro de cansaço, recordei um pedaço de uma fala da ministra Carmem Lúcia, integrante do Supremo Tribunal Federal, que divido com o leitor: "A pessoa passa a ser chamada de excelência todos os dias. Daqui a pouco, começa a acreditar que é mesmo."


                 Parafraseando a ministra é que pensei que as pessoas com deficiência diriam: a pessoa passa a ser chamada de insuficiente todos os dias. Daqui a pouco, começa a acreditar que é mesmo menos que humano.


                 Poxa, como imaginar que parcela tão expressiva da sociedade fora ignorada solenemente por todos os agentes pensantes desse histórico evento? Respondo a mim mesma que deve-se ao nenhum valor que temos na bolsa de valores humanos simbólicamente instituída na sociedade brasileira. O nosso povo ama a desigualdade! Nesse diapasão simbólico a pele branca vale bem mais do que a pele negra; a pessoa com deficiência vale bem menos do que a pessoa sem deficiência. E vai por aí afora para todo tipo de mau gosto!


                 É que a aristocracia se fantasia com as vestes da democracia. Nesse Carnaval cotidiano os humanos que ocupam os mais altos níveis de uma hierarquia social não admitem a presença de pessoas com deficiência no grande teatro da vida. Contudo, suportam estar ao lado de outras minorias por um curto espaço de tempo; digamos até o final do Carnaval.


                 Também procurei saber se estavam presentes pessoas com deficiência na plateia. Ah, que lamentável constatação ouvir que não éramos mais do que três! Entendo perfeitamente. É que no espaço urbano não temos transportes nem rotas acessíveis que garantam o nosso direito a liberdade de ir e vir e, consequentemente, também não temos o direito a liberdade de expressão.


                 Com meus olhos cegos enxergo muito bem que tenho habitualmente cerceado o meu direito de participação. Vivemos, pois, numa democracia ou numa aristocracia velada? Democracia sem igualdade e sem direitos humanos! Existe? Pode?


                 Será que existiria no Brasil advogado que defendesse a presidenta Dilma pela violação dos direitos humanos que se seguem? A Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República responde na Justiça um processo pela ausência de interpretação em LIBRAS nos pronunciamentos oficiais da presidenta Dilma exibidos em cadeia nacional de televisão. O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública para fazer cumprir a Convenção de Nova Iorque. Os discursos oficiais da presidenta e todos mais hão que ser acessíveis às pessoas com deficiência auditiva. Fantástico sermos enxergados pelo MPF!


                 No desenforcamento de Tiradentes - 2015 - a LIBRAS foi ignorada. Eis a prova contundente de que as pessoas com deficiência são imperceptíveis à cegueira opcional, voluntária de uma sociedade aristocrática. Quero ser vista! Tenho pressa de viver. Preciso de uma Pátria Educadora acessível de verdade!


                 Em recente oportunidade fiz uma palestra sobre sustentabilidade social. Falei depois dos palestrantes que discorreram sobre sustentabilidade ambiental e econômica. Sabido é que a sustentabilidade é representada por um tripé: uma haste representa o ambiental, outra haste representa o econômico e a última haste representa o social. De antemão, perguntei se alguém imaginava a figura de um tripé apenas com duas pernas. Óbvio que foi um questionamento um tanto quanto exótico. Sobreveio a resposta: não! Contraperguntei: Então, como se pode falar em social sem acessibilidade? Ora, a sustentabilidade há que ser vista de forma holística! O grande sociólogo e mestre Boaventura de Souza Santos afirma que o que existe mesmo é o capitalismo verde, parecido com o tom encontrado nas cédulas de dólares.


                 Bem, dessa feita Tiradentes teve mais sorte, melhor dizendo, fora feita a justiça. Por unanimidade os jurados o absolveram. Claro que não podemos devolver a vida ao nosso mártir. Todavia, foi uma grande prova de que a verdade de ontem não é a verdade de hoje. A história não mudou. O que mudou foi o olhar que o corpo social deu ao exame dos mesmos fatos ocorridos.


                 Magnífico evento que exercitou a ACESSIBILIDADE ATITUDINAL. Necessitamos oxigenar os cérebros com permanentes reexame da história, a fim de que reciclemos os velhos conceitos e preconceitos. Urge pensar por conta própria, pelo que salutar será ouvir com cautela muitos conceitos que nos são impostos por sucessivas gerações, através de pais, professores, amigos...


                 Sugiro aos integrantes do Poder Judiciário que revejam a pena imposta ao personagem Quasímodo, pessoa com deficiência na Idade Média. O documento a ser revisto é a obra de Victor Hugo, O Corcunda de Notre-Dame, cujo trecho chocante transcrevo agora: "(...) caracterizar que aquela criatura zarolha, corcunda, torta, incompleta e mal desabrochada era um 'quase alguém'." (HUGO, Victor-Marie. O corcunda de Notre-Dame. São Paulo: Editora Três, 1973, p. 120)


                 Mister se faz que o Poder Judiciário reconsidere as muitas injustiças praticadas contra as pessoas com deficiência, sendo a principal rebaixá-las a condição de sub-humanos. Dessa forma a JUSTIÇA também seria feita para com as pessoas com deficiência


                 Tal como ocorria com a sociedade parisiense no século XV, a sociedade brasileira também usa no século XXI o modelito da hipocrisia. Em 2015 o povo, exausto de sentir o chicote do capitalismo verde, sente a necessidade de aliviar o stress e usa, como remédio aliviador de seus males, as pessoas com deficiência. Somos motivo de esquizofrênicos e incansáveis risos e deboches vindos das pessoas sem deficiência, por ilustração, nos: transportes inacessíveis, trabalho, hospitais, eventos...


                 Somente praticando a acessibilidade atitudinal é que conseguiremos modificar a mentalidade engessada de uma sociedade baseada no abuso da desigualdade, da injustiça e da ignorância.


                 Brasileiros, fecho esta crônica sugerindo que adotem para as pessoas com deficiência o mesmo lema adotado para a revisão da história de Tiradentes:



                 "Justiça ainda que tardia"!

sábado, 25 de abril de 2015

Dia internacional do cão-guia

Hoje - 25 de abril de 2015 - comemora-se mais um Dia Internacional do cão-guia e, como não poderia deixar de ser, venho render as minhas sinceras homenagens ao meu fiel aUmigo JIMMY PRATES.


Fui agraciada com Jimmy Prates através da fundação americana GUIDE DOG FOUNDATION (NY), razão pela qual serei eternamente agradecida ao povo americano que, num momento difícil da minha vida, fez o bem sem olhar a quem. Pena mesmo que o nosso Brasil só tenha as boas intenções no PAPEL!


Para as pessoas cegas que optaram por esse amigo para a locomoção é que deixo os links abaixo, a fim de que avaliem se, de fato, AMAM cachorros. Não basta gostar de cão; nesse caso é imperativo bem mais que esse sentimento para que não seja maltratado o animam, bem como não seja tirada de outra pessoa cega a oportunidade a esse humano jeito de locomoção.


Para a sociedade em geral, também deixo os mesmos links, a fim de que velhos e irreais mitos sejam soterrados.


Boa leitura e investigação a todos! Obrigadão.



Crônica para Jimmy Prates:


Vejam Jimmy Prates no Carnaval 2015 - Sambódromo, vídeo Youtube:


Vejam Jimmy em seu horário de lazer. Isso é que é vida de cão!


Vejam boa matéria sobre cão-guia feita pela Globo News com DEBORAH PRATES + JIMMY:


Curtam o aniversário de Jimmy:



Eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeh! VIVA JIMMY PRATES!!!!


Carinhosamente.

JIMMY E DEBORAH PRATES.










*** descrição da foto tirada na palestra de 31/03/2015, que a palestrante realizou na OAB sobre acessibilidade atitudinal e sob a presidência da Dra. Rosa Fonseca (pres. da comissão OAB - MULHER): em primeiro plano está Jimmy deitado de barriga para baixo e com a cara encostada no carpete cor de vinho. Acima dele, sentada em uma cadeira de rodinhas vermelha está Deborah Prates, de calça jeans cor preta e blusa branca de meia manga. À sua frente há um microfone de mesa preto, o qual ela está usando para palestrar.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Acessibilidade atitudinal no desenforcamento de Tiradentes

Nesta tarde ouvi de Tiradentes: "(...) A igualdade nunca acontecerá porque os privilegiados não permitirão."


Nesse 21 de abril de 2015, no Primeiro Tribunal do Júri RJ, aconteceu o desenforcamento de Joaquim José da Silva Xavier , sendo revista a sua sentença pelo novo júri, quando foi prolatada a sua ABSOLVIÇÃO. Senti-me honrada por ter participado dessas reflexões relativas ao nosso triste passado.


De alguma forma, sinto grande afinidade com os ideais de Tiradentes. A militância cotidiana mostra que temos que lutar e persistir naquilo que acreditamos. Creio num mundo melhor, apesar dos pesares...


Através de exercícios de acessibilidade atitudinal nutro a esperança de conseguirmos nos aproximar da igualdade que tanto buscamos. Sempre praticando a lei e com ela arrastando do nosso caminho os privilegiados. Tirem os obstáculos arquitetônicos e culturais da frente das pessoas com deficiência, elas pedem passagem em nome da democracia e do espírito republicano.


Fiz esse pacto com o querido jurista Técio Lins e Silva (foto). Penso termos um aliado na busca pela liberdade e igualdade nesse Brasil continental.








Carinhosamente. Deborah Prates.

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Peça "Krum" com áudio descrição no RJ

Inexiste democracia sem participação. Para que as pessoas com deficiência verdadeiramente possam viver em um Brasil democrático é preciso que haja acessibilidade, em especial a tecnologia da áudio descrição (para que os cegos possam participar dos eventos em tempo real). Assim, teremos as mesmas oportunidades que as pessoas sem deficiência têm quando, por exemplo, assistem uma peça teatral. Xô olhar assistencialista de outrora, mas que ainda nos aterroriza como fantasmas em 2015.


Porém a acessibilidade atitudinal está começando a surtir efeitos como ocorrido em 19/03, na peça Krum, exibida no teatro do Oi Flamengo. Em parceria com a Lavouro Produções, foi colocado a disposição a áudio descrição, LIBRAS e serviço de legendagem, a fim de que os deficientes sensoriais pudessem estar incluídos no espetáculo em pé de igualdade com todos os demais.


O conteúdo da peça vem complementar tudo o que estou escrevendo, já que todos saem refletindo e investigando sobre a sua maneira de viver. Bastante salutar é que tenhamos forças para enxergar e assumir novas verdades.



Deborah Prates e Lara Pozzobon, criadora da Lavouro Produções 





Renata Sorrah e Deborah Prates 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Vendo a cebola do Outback com as mãos...


Vendo a cebola do Outback com as mãos...


Adoro a Onion Bloom do Outback! Pela propaganda, diziam-me que ela era gigantesca. Como cego vê com as mãos foi que pedi ao garçom que trouxesse as cebolas em casca e cortada em flor pela máquina, para que pudesse avaliar o produto. Fiquei boquiaberta com o tamanho da cebola ao natural (é de origem chilena), bem como com a arte produzida pela máquina.



Penso que nós, cegos, temos que nos empoderar de todos os lugares; bem como quebrar paradigmas, mudar os nossos hábitos e ainda provocar a acessibilidade atitudinal na coletividade. Foi o que fiz. Carinhosamente. Deborah Prates.








quinta-feira, 2 de abril de 2015

Palestra na Mackenzie Rio

É com enorme orgulho e honra que divido as imagens 
abaixo! Elas traduzem a palestra que fiz na Faculdade 
Mackenzie Rio (Centro), no dia 01/04/2015, com o tema: 
Acessibilidade Atitudinal como chave para um Brasil melhor.


Falei para várias turmas do curso de Direito, sob a 
coordenação acadêmica do solidário e humano Professor 
Antonio Renato Cardoso da Cunha. De fato ele conseguiu 
fazer a diferença na Mackenzie Rio, uma vez que se 
preocupou na inclusão curricular das pessoas co
deficiência.


A primeira vista pode parecer óbvio que uma faculdade de 
Direito tenha essa preocupação. No entanto, foi a primeira 
vez, dentre tantas instituições que já percorri, que senti na 
direção e nos alunos tanto interesse pelo assunto. Isso 
muito me sensibilizou.


Minha palestra terminou por volta das 21:40h e o ambiente 
estava lotado de cérebros férteis a espera de boas 
sementes. De minha parte, senti que essas sementes 
germinarão para que, em um espaço de tempo breve, eu 
possa voltar para colher os frutos. Muitos frutos!


Agradeço a todos envolvidos nessa intenção humanitária, 
democrática e republicana pela oportunidade.